“Um crime contra a cultura e contra a história”. É como o jornalista João Máximo resume sua indignação à polêmica proibição de biografias não autorizadas no país, caso único no mundo e que expõe um contrassenso: A Constituição Brasileira assegura a liberdade de expressão, mas um artigo anexado ao Código Civil em 2003 abre brecha para que o personagem ou seus herdeiros possam impedir que a obra seja publicada. Isso aconteceu com o próprio João, que lançou, em 1990, “Noel Rosa, uma biografia”, em parceria com o músico Carlos Didier. Duas sobrinhas de Noel conseguiram na Justiça que o livro fosse retirado das prateleiras das livrarias. Outro caso mais recente, que ganhou as manchetes no ano passado e dominou os debates jurídicos, foi com o jornalista e historiador Paulo César de Araújo, autor de “Roberto Carlos em detalhes”. O livro, lançado em 2006, chegou a vender 22 mil exemplares, mas uma ação vitoriosa na Justiça, impetrada pelo próprio Roberto Carlos, também impediu a produção e venda da obra. Na noite deste sábado (24), no Espaço Literário da 8 Bienal do Livro de Campos, no bate-papo mediado pelo jornalista Jorge Luiz Pereira dos Santos, os dois escritores falam da censura e seu prejuízo para a história.
Paulo César, que depois da polêmica lançou "O Rei e o réu: minha história com Roberto Carlos, em detalhes”, baseia sua crítica à proibição na defesa do direito à informação. “A riqueza cultural é a soma das versões. Tudo bem que haja a biografia autorizada, mas a questão é a quem pertence a história. Negar o direito à informação não é algo que prejudique só o autor, mas o leitor, a sociedade. A quem pertence a história? Como ela pode ser patrimônio de alguém? Ele pode ser o protagonista, não o dono da história. E o limite é um só: não pode cometer calúnia”.
João Máximo concorda e também não desmerece o direito do próprio personagem ou seus herdeiros de querer até encomendar uma biografia. “É um direito, mas a biografia autorizada não pode ser considerada do ponto de vista do conteúdo histórico. Não existe patrimônio exclusivo da história. A história pertence a todos”, afirmando, lembrando que casos semelhantes já aconteceram no Brasil com biografias não autorizadas de Lampião, Guimarães Rosa e Manoel Bandeira.
Paulo César foi impedido de produzir e vender o livro, sob pena de multa diária de R$ 500 mil e prisão por dois anos. No episódio de João Máximo, que teve que recorrer a várias instâncias para assegurar o direito de publicar a obra – e ganhou em todas – houve ainda a polêmica com o dinheiro. Nas peças das ações movidas pelas sobrinhas de Noel Rosa, um adendo: caso ele e Carlos Didier pagassem, cada um, R$ 25 mil às duas, tudo bem. Nesse caso, o direito à privacidade é uma questão de preço.