Tudo começou quando Gabriel recebeu a notícia que mudaria toda a sua vida: seu último exame foi positivo: ele tinha HIV. Com dramaturgia de Antonio de Medeiros a partir do livro “O Segundo Armário – Diário de um Jovem Soropositivo”, de Salvador Corrêa, o monólogo “ O Segundo Armário” narra a história de Gabriel, pseudônimo do autor da obra, e está em cartaz no Teatro de Bolso (TB) até este domingo (12), às 20h. As apresentações tiveram início na última sexta (10).
O campista Salvador Corrêa é quem está por traz de toda a história. Gabriel, na verdade, é ele. Três dias depois de se descobrir soropositivo, Salvador criou uma página na internet com o pseudônimo Gabriel Abreu de Souza. Gabriel por causa do seu nome, Abreu em homenagem ao Caio Fernando Abreu, que morreu com Aids, e De Souza em homenagem ao Herbert de Souza, o Betinho, que foi o fundador da ONG em que ele trabalha hoje, a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, no Rio de Janeiro.
- O blog começou com o título “Ninguém por aí”, porque acho que ele trazia muito esse lugar de ausência de ser humano, eu não me sentia alguém, de alguma forma o vírus dominava. Depois virou “Alguém por aí”, pois comecei a ter uma relação diferente. E no meio desse processo veio o insight do “Segundo Armário”, pois pensei que tem algo de estigma ali que parece muito com a minha vivência com a homossexualidade, de não poder falar, de ter que viver em silêncio. – relata a trajetória.
Psicólogo e professor, Salvador mora há nove anos no Rio de Janeiro e há sete trabalha na causa da conscientização do HIV. O blog deu origem ao livro e foi gerado como uma forma de liberar uma série de emoções que vieram no processo do diagnóstico: “Comecei a escrever para botar pra fora, um turbilhão de crenças construídas desde a época de 80, que permeia ainda no nosso meio. Quando me descobri com HIV acabei revisitando os meus próprios preconceitos”, confessa.
Depois do livro veio o teatro. A Cia Banquete Cultural, do Rio de Janeiro, adaptou a história de Salvador para o palco. Com uma performance muito elogiada pelo público nas últimas apresentações, o ator Hugo Caramello interpreta o jovem Gabriel e contou que construiu a interpretação do personagem a partir da imagem de uma Fênix:
- A Fênix se incendeia, vira cinzas e depois renasce. E eu acho que viver com HIV e se descobrir soropositivo tem muito isso assim. O HIV e a Aids eram um tabu, uma sentença de morte. E aí a gente vai quebrando esses paradigmas até que a gente renasce novamente para o mundo e entende que ser soropositivo é ser uma pessoa completamente normal. – explica Hugo.
A resposta do público é sempre muito positiva e já aconteceu de através da peça eles conseguirem ajudar pessoas que tinham HIV e não se aceitavam, como é o caso de um rapaz que Caramello conheceu através de uma panfletagem pelas ruas para divulgar o monólogo: “Ele falou que descobriu ser soropositivo e que não sabia lidar com a situação. Foi ao primeiro dia, ao segundo e no último dia de apresentação já era uma pessoa completamente renovada, levou a família. Eles entenderam que ser soropositivo é ter uma vida normal”, relata.
Assim como o rapaz que foi em várias apresentações do “O Segundo Armário”, Salvador perdeu as contas de quantas foi, mas essa no Teatro de Bolso teve um gostinho especial, pois, além de ser na sua cidade natal, foi o local que ele teve o primeiro contato com a arte teatral: “É um presente. Sou muito grato ao teatro, a Prefeitura e ao Fernando Rossi (diretor do teatro) por fazer tudo isso acontecer”, agradece.