O Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração de Crianças e Adolescentes foi marcado por discussões, debates e orientações para a prevenção dos crimes que vem crescendo no município e no país e sobre os cuidados e atenções às vítimas. Tudo isso aconteceu nesta quinta-feira (19), no IX Seminário “Campos no combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes”, promovido pela Fundação Municipal da Infância e da Juventude (FMIJ), por meio do Programa FortaleSer.
Estudantes, pesquisadores e profissionais das áreas da assistência social, saúde, educação e segurança pública, além de representantes dos órgãos de proteção e defesa da infância e adolescência lotaram a Câmara Municipal neste Dia de 18 de Maio. O evento também integra as ações da campanha Maio Laranja, de combate à exploração sexual infantojuvenil.
O seminário foi aberto pelo presidente da FMIJ, Leon Gomes; o vice-presidente Leandro Castelo; a coordenadora do FortaleSer, Valéria Peçanha; e as palestrantes Patrícia Constantino, psicóloga, doutora em Saúde Pública e pesquisadora do Departamento de Estudos da Violência e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz; Aline Ferreira Gonçalves, psicóloga e mestre em Saúde Pública pela Fiocruz e doutoranda em Autolesão; e Thaís Pireda, médica psiquiatra do PSP e do Ambulatório Saúde Mental em Campos.
"Desenvolvemos durante a semana diversas ações de conscientização e concluímos, hoje, com esse seminário, que é de extrema importância, porque é a partir daí, do debate de ideias, que nós vamos ter medidas e ações para transformar essa triste realidade. Trazer para essa Casa de Leis esse debate é uma oportunidade de aprofundar as escutas que vão sendo dadas e ter mais base na propositura de medidas eficazes para transformar esse cenário caótico de violência contra crianças e adolescentes nessa questão sexual. Do seminário surgem políticas públicas, porque as ideias vêm justamente da população, dos personagens envolvidos nesse enfrentamento, como conselheiros tutelares e polícias, dos palestrantes que estão trazendo temas fundamentais para o trabalho de tantos profissionais e especialistas. E eu acredito que esse é um espaço importante para Campos, uma cidade que se preocupa muito com o tema e que busca sempre fortalecer a rede de proteção das vítimas. Mas o principal ainda é chamar a atenção de toda a sociedade, divulgar os canais de atendimento, para que todos possam participar desse combate", declarou Leon Gomes.
Coordenadora do Programa FortaleSer, da FMIJ, Valéria Peçanha destaca a importância do trabalho integrado de toda a rede, para que o acompanhamento das vítimas não seja fragmentado e, consequentemente, ineficaz. O equipamento municipal promove o acompanhamento psicoterapêutico, social e psicopedagógico para as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Além do acompanhamento, a equipe realiza um trabalho de prevenção junto à Rede de Proteção infanto-juvenil.
ESTATÍSTICA
Este ano, até 12 de maio, o FortaleSer apresentou 125 crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, que recebem atendimento. A maioria das vítimas (75,2%) e do sexo feminino e 53,6% são crianças. Em Campos, a incidência dos crimes é mais alta na Baixada Campista e vem aumentando em algumas localidades específicas. Os números, no entanto, podem não representar a realidade, conforme destaca a coordenadora do FortaleSer.
"Em nosso programa, fazemos o acompanhamento de crianças e adolescentes vitimizados, a maioria pelo abuso sexual. São os que já passaram pelo Centro de Atendimento ao Adolescente e à Criança Vítima de Violência, o CAAC, que funciona no Hospital Ferreira Machado e é específico para atendimentos a esse público. Mas sabemos que muitos casos não chegam a ser revelados pelas vítimas aos familiares e tantos outros não são registrados. Nosso trabalho é para minimizar os traumas decorrentes da violência sexual, mas toda a rede trabalha em conjunto, para identificar os sinais de aviso desse tipo de violência e para identificar possíveis vítimas e direcionar, a elas, a atenção e proteção de que necessitam", contou Valéria.
PALESTRAS
Pesquisadora do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, Patrícia Constantino também é pesquisadora da violência sexual e exploração sexual de crianças e adolescentes.
"Qualquer política que incida sobre qualquer tipo de violência, e o abuso e a exploração sexual são tipos de violência bastante sérios e afetam parte significativa da população e só funciona se houver trabalho de rede. Nenhum setor sozinho vai conseguir dar conta de acessar essas famílias, principalmente as que moram em áreas onde a locomoção e acessos são dificultados. E, por se tratar de um tema que geralmente é tabu, que as famílias muitas vezes não querem revelar, não querem denunciar, tem uma complexidade enorme em torno da questão da violência sexual, a gente precisa contar com os equipamentos que estão os territórios: os Centros de Referência da Assistência Social (Cras), os Centros de Referência Especializados da Assistência Social (Cras), as Unidades Básicas de Saúde (UBS), o Conselho Tutelar, todos os equipamentos do município que estão nos territórios, porque estão mais próximos dessas famílias. Só um trabalho em rede, só um trabalho somativo e solidário é que vai fazer frente às violências existentes. Acreditamos que o parceiro fundamental para esse trabalho são as escolas, porque as crianças e adolescentes estão nas escolas. E se nós qualificarmos os professores, não só para a prevenção, mas também para a identificação de situações de violência sofridas, sem que necessariamente a criança verbalize - e a gente tem como fazer isso, porque existem sinais e sintomas importantes que, se os professores tiverem habilitados, eles vão conseguir reconhecer - eles poderão acessar os órgãos competentes, primeiro as famílias, mas depois do Conselho Tutelar, a Vara da Infância e Juventude, a gente vai conseguir chegar mais perto desse universo. Porque aguardar que essas famílias denunciem, que essas famílias busquem os equipamentos, não promove o enfrentamento de fato", explicou a doutora que ministrou a palestra A autolesão com relação às violências, junto com a também psicóloga, mestre em Saúde Pública pela Fiocruz e doutoranda em Autolesão, Aline Ferreira Gonçalves.
A autolesão e a saúde mental foram temas da palestra “Rumos da Saúde Mental – alinhamento à Rede de Atenção Psicossocial para integração do cuidado”, ministrada pela psiquiatra Thaís Pireda. A médica destacou a importância do Plano Municipal para a Primeira Infância, que está sendo elaborado e que visa a implantação de políticas públicas para uma atenção especial e o fortalecimento da prevenção às violências contra crianças de zero a 6 anos idade. Sobre a importância de uma rede de proteção integral à infância e adolescência, com destaque aos cuidados com a saúde mental, Thaís resumiu:
"Quanto mais negligência à criança vitimizada, mais adultos desfuncionais vamos ter em nossa sociedade".